Papa-léguas ou Coiotes? A narrativa da pós-modernidade

07/01/2013 12:35

 

Pablo Picasso é considerado, no campo das artes, como um mito da modernidade, embora transcenda esse tempo histórico por sua capacidade criativa e inovadora de ler o mundo, através da linguagem artística. Suas primeiras obras situam-se no fim do século XIX, momento em que o Iluminismo marca a segunda etapa da modernidade. Esse período, segundo Conte, Lor e Martignoni (2007), “é caracterizado como a era da razão, da emancipação do indivíduo e da primazia de sua liberdade de pensamento”. Os estilos desenvolvidos por Picasso são referências nas artes plásticas, o artista recusa a arte como imitação da natureza e propõe novas formas geométricas para se visualizar a realidade dissociada do real, entretanto num contexto temporal. Todas essas características mostram que o sujeito-artista carrega consigo a explosão dos sentidos da pós-modernidade: contradição fragmentação, metamorfose. Sua arte dialoga com seu tempo. Refiro-me a Pablo Picasso e sua arte, como ponto de partida, por entender que sua obra atravessa uma parte significativa dos séculos XIX e XX, permitindo que ilustre o movimento do tempo histórico que caminha da modernidade à pós-modernidade. A partir do século XX, inicia-se uma nova era, marcada por uma mudança de concepções em todas as áreas. É a transição da modernidade para  a pós-modernidade, em que a sociedade caminha para a industrialização e o capitalismo. A pós-modernidade interliga-se estreitamente com o fenômeno da globalização, em que as fronteiras perdem sentido, a cultura dos fortes sobrepõe-se a dos mais fracos, havendo a difusão do consumo e da massificação, através dos meios de informação e comunicação. Essa sociedade tem como ícones principais a produção e o consumo, não como meios, mas como finalidades a serem atingidas. Nesse contexto, a mídia voltada ao consumismo ganha força e presença, conduzindo a grande massa populacional, através de processos extremamente rápidos e fragmentados à cegueira da razão. Não há tempo para a construção de raciocínios, nem a leitura crítica da realidade, importando somente a corrida pela satisfação de desejos consumistas, forma para o preenchimento do vazio e busca dos parâmetros éticos perdidos. Nesse contexto e ao som de um plim-plim não sabemos ao certo se somos coiotes ou papa-léguas. Sim, vamos recordar o desenho animado como fonte de reflexão. As informações, hoje, surgem numa velocidade comparável à velocíssima corrida do Papa-léguas, cujo rastro luminoso produz um enorme espaço simbólico em nossa mente. Para provocação, o Papa-léguas utiliza como recurso, para o disparo sensorial do Coiote, um alerta bip. Lembremo-nos do comportamento do Coiote ao ouvir tal apelo. Pura excitação! Imediatamente, este único sinal torna-se chamado às cenas vibrantes e nervosas de perseguição, autoflagelo e gozo. O alerta bip, diálogo inexistente, não permite reconciliação, é chamado de urgência. No desenho, dominador e dominado entram em cena, mas não em crise, cada um exerce o seu papel, o Papa-léguas é o perseguido (imitado, alvo da admiração) e o Coiote, aquele que pretende devorá-lo (desejo de incorporação da figura admirada). Portanto, não há conflito que gere transformação ou mudança no final da história. A mídia cria um campo de ilusões que nos faz sentir no lugar do Papa-léguas, quando na verdade somos meramente Coiotes, servidores do rei consumo, Coiotes clientes, que o rei sabe explorar vendendo felicidades gratuitas aos que buscam sobrevivência, famintos de pão, emoção, afetividade, conhecimento, sociabilidade. Autores nacionais como Boaventura de Souza Santos (1997) e internacionais como Zygmunt Bauman (2001), expressam em seus escritos que vivemos a era das incertezas, da implosão da subjetividade, do imediatismo, do prazer como supremo bem da vida, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, do individualismo e do consumo de sensações. O indivíduo pós-moderno sob a égide consumista despersonaliza-se, como expressa Bittencourt (2011, p.35): “A associação entre o sistema mercadológico mega-industrial e o consumismo requer, naturalmente, a supressão da individualidade do sujeito consumidor, pois se torna tecnicamente impossível se criar gêneros adequados para a singularidade particular de cada pessoa”. O autor desnuda a força da propaganda legitimadora do consumismo sobre o ser humano e cria na escala evolutiva o Homo Cosumens, aquele que consome desenfreadamente para encontrar a felicidade. Para encerrar, destaco a seguir, uma sequência de palavras no trecho da música Cinema Americano de Bittencourt (2011): Tão homem tão bruto tão coca-cola nego tão rock n'roll Tão bomba atômica tão amedrontado tão burro tão desesperado Tão jeans tão centro tão cabeceira tão Deus Tão raiva tão guerra tanto comando e adeus Tão indústria tão nosso tão falso tão Papai Noel Tão Oscar tão triste tão chato tão homem Nobel Tão hot dog tão câncer social tão narciso.

Marilda Massucatto Braga

Mestre em Educação-Currículo-PUC/SP